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Entrevista com Weeberb Réquia (FGV EPPG) - Desigualdades sociais e Exposição ao Calor Extremo no Brasil

Entrevista com Weeberb Réquia (FGV EPPG) - Desigualdades sociais e Exposição ao Calor Extremo no Brasil

Em um país marcado por desigualdades sociais, o avanço das temperaturas extremas não afeta todas as camadas da população da mesma forma. Nesta entrevista, o pesquisador da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV EPPG), Weeberb Réquia, analisa como fatores de renda, raça, educação e localização geográfica influenciam a exposição ao calor intenso, revelando por que populações vulnerabilizadas estão na linha de frente dos riscos climáticos. 

1 - O que caracteriza o calor extremo em termos científicos e por que ele representa um risco crescente em regiões tropicais?

Weeberb Réquia: Cientificamente, calor extremo é quando a combinação de temperatura e umidade ultrapassa limiares que sobrecarregam a termorregulação humana (medidos por índices como HI, WBGT ou UTCI). Em regiões tropicais, a umidade elevada reduz a evaporação do suor, elevando a carga térmica mesmo com temperaturas moderadas. Somado ao aquecimento global e às ilhas de calor urbanas, o risco vem aumentando de forma rápida e desigual.

 

2 - Quais são os principais fatores que tornam certos grupos sociais mais expostos ao calor extremo?

Weeberb Réquia: Grupos de baixa renda, trabalhadores ao ar livre (construção, limpeza urbana, agricultura), idosos, crianças, pessoas com doenças crônicas, e moradores em áreas com poucos parques, moradias precárias, alta densidade e baixa arborização — onde a ventilação é pior e a retenção de calor é maior.

 

3 - Como variáveis como renda, escolaridade e raça influenciam essa exposição?

Weeberb Réquia: Baixa renda e menor escolaridade limitam acesso a habitações de melhor qualidade, refrigeração, saúde e trabalho formal com proteção, resultando em maior exposição e menor capacidade de adaptação.

 

4 - Há diferenças regionais marcantes no Brasil em relação à exposição ao calor? Quais regiões concentram os maiores riscos?

Weeberb Réquia: Norte e Nordeste combinam temperaturas altas com umidade elevada, ampliando a carga térmica. Grandes metrópoles do Sudeste têm ilhas de calor intensas em bairros vulneráveis. Já no Centro-Oeste, ondas de calor mais frequentes e secas prolongadas elevam riscos, especialmente para trabalho externo. Em geral, periferias urbanas e municípios com baixa cobertura vegetal concentram os maiores perigos.

 

5 - Como o conceito de conforto térmico pode ajudar a ampliar a compreensão sobre os impactos do clima na saúde?

Weeberb Réquia: Conforto térmico integra temperatura, umidade, vento, radiação e atividade humana, aproximando a métrica do que o corpo realmente sente. Isso ajuda a traduzir risco climático em impacto à saúde, orientando alertas, jornadas de trabalho, desenho urbano e intervenções mais eficientes do que usar só “graus Celsius”.

 

6 - Que tipo de políticas públicas seriam mais eficazes para mitigar os efeitos do calor extremo sobre populações vulneráveis?

Weeberb Réquia: Alertas precoces e planos de contingência para ondas de calor; Expansão de áreas verdes e sombreamento em vias e pontos de ônibus; Retrofit térmico de moradias populares; Acesso a resfriamento seguro (ventilação, centros de resfriamento); Proteção trabalhista (pausas, hidratação, EPI térmico, ajuste de horários); e Integração com atenção primária à saúde para monitorar grupos de risco.

 

7 - Como incorporar evidências científicas sobre desigualdade térmica em estratégias de planejamento urbano e saúde pública?

Weeberb Réquia: Mapear “ilhas de calor” e vulnerabilidade socioambiental por bairro; Adotar metas de cobertura arbórea e materiais frios em pavimentos e telhados; Exigir análise de conforto térmico em novos empreendimentos; Integrar dados climáticos e de saúde nos planos diretores e nas redes de vigilância, priorizando investimentos onde a desigualdade térmica é maior.

 

8 - Há exemplos de iniciativas que estão conseguindo enfrentar essas desigualdades de forma eficaz?

Weeberb Réquia: Cidades que combinam arborização direcionada em áreas quentes, telhados/tintas frias, corredores verdes e protocolos de trabalho em calor têm reduzido exposição e internações. Além disso, centros de resfriamento durante ondas de calor e programas de retrofit em habitações sociais também mostram resultados, sobretudo quando focam bairros vulneráveis.

 

9 - Como a academia pode colaborar com governos e sociedade civil para transformar esses achados em ação?

Weeberb Réquia: Produzir mapas e indicadores de risco em alta resolução, avaliar impacto de políticas (antes–depois), co-desenhar soluções com comunidades, treinar gestores de saúde e urbanismo, e disponibilizar dados e ferramentas abertas para apoiar decisões rápidas. 

Data
2025-10-09T12:00:00